quarta-feira, agosto 18, 2004

De partida

Parto com o corpo mais pesado (no carro levo ainda um folar de 2 kg encomendado na Padaria Macedense e um queijo de cabra caseiro) e a alma mais leve.
Escrito a 16 de Agosto de 2004

Sexta, 13

Não me carimbaram todas as folhas como era pedido nas Instruções (espero não ter problemas quando as entregar para receber a caução).
Cheguei atrasada para buscar o F. à estação de camionagem.
Planeámos ir a Podence, à Casa do Careto, mas atrasámo-nos e desistimos por já não irmos a tempo. Fomos, então, ao Azibo. Nas pressas de tirarmos apenas algumas fotografias e imprimir na retina a restante paisagem que a objectiva não consegue abarcar, estacionei o carro em paralelo com o passeio, não o travei devidamente, não engatei a mudança. Quando procurei fixar novamente o carro, no regresso, o lugar estava vazio. Uns metros mais abaixo, lá estava o Golf, enfaixado na vedação...
Em seguida, fomos jantar ao Maria Rita. Não tínhamos dinheiro e lá não tinham Multibanco. Fizemos cerca de 11 km até Mirandela e outros tantos na volta para podermos pagar o jantar.
Finalmente, a noite acabou num barzinho sobre o Tua. Conheci o P.. Até nem sou supersticiosa com o 13, mas depois destas peripécias todas, só espero que ele não se venha a converter em mais um dos azares desse dia.

Enfarte com vista para a Praça dos Segadores

Peço uma caneta emprestada para escrever no meu caderninho (que foi comprado propositadamente para esta viagem, com as dimensões adequadas para caber no bolso da bata, mas que acabou por se tornar no suporte de papel onde escrevo os posts que publico a partir dos computadores do Espaço Internet cedido pela Câmara...).
Espero que me sirvam o jantar. É curioso, foi aqui que jantei na primeira noite em que cheguei a esta terra. Esta semana tenho sentido um aperto no peito, que começou de forma insidiosa, é intermitente, irradia para a alma, agrava à medida que o regresso se avizinha e não tem posição antálgica. Não consigo deixar de o sentir, mas tenho-o mantido controlado. Não quero que este sentimento de saudade antecipada me embote os sentidos. Quero experimentar tudo, até ao último momento. Não lido bem com despedidas, é verdade ("Parting is such sweet sorrow...", como dizia Shakespeare), mas também não tenciono despedir-me do Nordeste Transmontano. Pretendo dizer-lhe somente um até já...
O meu jantar chegou. A noite afigura-se longa: ainda tenho que voltar ao Hospital e depois sigo para a discoteca de decoração egípcia (hoje, com direito a sessão de strip).
Escrito a 12 de Agosto de 2004

segunda-feira, agosto 09, 2004

Férias do quotidiano

Agrada-me a ideia de estar num lugar em que ninguém me conhece; ou, por outra, em que ninguém conhece a minha história. Esse anonimato biográfico imprime outro ritmo aos meus passos. Não que tenha algum episódio escabroso a esconder. Simplesmente me fascina o facto de eu não saber nada sobre ninguém e o inverso também ser verdade. Gosto de olhar para os vários rostos e nenhum me ser familiar. Aqui existe efectivamente a possibilidade de voltar a nascer (será que é uma questão de lugar ou de tempo?).

quinta-feira, agosto 05, 2004

Fragmentos

AVC de repetição. Relatório de TC abdomino-pélvica novamente em falta. Arritmia. Febre escaro-nodular. Massa de bacalhau. Piropos de emigrantes franceses (suíços?). IP4. Casa dos Távoras. Rio Tua. IP4. Café na esplanada. Passeio pelo largo da Câmara, entre a fonte luminosa e as brincadeiras da miudagem.

Fases

A lua em quarto-minguante e a minha paz em quarto-crescente.
Acho que poderia viver aqui. Se bem que os lugares sagrados não são para habitar; são para visitar. Nunca os devemos conhecer totalmente. Julgo que aí deixam de ser sagrados...

Fotografia incriminatória

Houve um rancho na praça. E trajes tradicionais. E acordeão. E as palmas do público a acompanhar. Não fosse o meu ímpeto citadino de posteridade - freeze-framing do momento em máquina fotográfica digital - e teria feito parte da multidão.

quarta-feira, agosto 04, 2004

Causa-efeito

Tenho sentido muito, o que cria muita matéria para moldar em palavras. Mas esta terra deixa-me entre o silêncio e a agrafia. Muito poucas coisas na vida têm este efeito sobre mim.

Terra Quente

Vim de viagem. Sozinha. Mas não, a solidão não veio comigo. E curiosamente, numa terra onde não conhecia ninguém, vim encontrar uma conhecida que já não via há 5 anos. Nem que trouxesse a solidão comigo ela teria forçosamente que partir. Mas não. Embora num lugarejo desconhecido, Trás-os-Montes tem invariavelmente o mesmo efeito sobre mim: lava-me a alma. Faz-me sentir segura. Não sei se é o abraço sólido das montanhas, se é o calor que aquece até os cantinhos mais recônditos da alma, se são as gentes humildes e afáveis. Sei que na viagem de volta vou com a alma transparente. E desta vez estava escrito que viria aqui encontrar o meu futuro. E eu acredito. Mas a volta ainda está longe... Felizmente.