terça-feira, julho 27, 2004

Boas e más companhias

Outro dia, a propósito de uma viagem que farei brevemente, sozinha, perguntavam-me se não me afligia a falta de companhia.
Não, a solidão não me aflige. A solidão é uma boa companhia. Nunca chega demasiado cedo (as outras companhias é que, por vezes, partem antes do tempo). Nunca é inoportuna - ela aparece quando tem que aparecer. Ela é verdadeira e altruísta (vem por nós, para nós, sem qualquer outra motivação). A solidão entrega-se a nós por inteiro, fica connosco noite e dia, se necessário, até ao ponto de se tornar a nossa solidão.
Uma companhia assim pode, adicionando-lhe longas porções de tempo, converter-se em algo insuportável. Podemos cansar-nos dela como de tantas outras coisas na vida que se tornaram rotineiras. Mas aí a culpa continua a residir em nós. A solidão vai-se quando tem que ir, porque não é preciso mandá-la embora; se entretanto arranjarmos outra companhia ela parte sem fazer escândalos, sem se sentir preterida e é certo que voltará para nós na devida altura.
Não. A solidão não me aflige. A mim o que me aflige são as más companhias.

sábado, julho 17, 2004

Clínica de um sentimento - fim

Por não saberes palpar (as rochas), parou a bomba que ejecta as palavras através da grande circulação dos poemas e da circulação dos sentimentos ainda pequenos. O sal secou na parede dos vasos. Na minha boca entreaberta ficou uma alga misturada com grãos de areia.
As ondas do meu cabelo deixaram de se enrolar no vento.
Devido à tua inépcia no exame físico, morri na praia.

sexta-feira, julho 16, 2004

SMS

Fui apanhada de surpresa com as novidades do blogger (acho que foram para melhor!).
Também gostava de ser surpreendida na minha vida (algo do género daquele anúncio já um pouco antigo do Impulse "E se um estranho lhe oferecesse flores?" não era mau...), mas aí continua tudo na mesma...
Enfim, também já estou hipoglicémica e não consigo escrever nada de jeito... Vou almoçar! Até logo!
Pink kisses

quarta-feira, julho 14, 2004

Clínica de um sentimento

Soubesses tu auscultar o mar e palpar cada contorno das rochas e talvez diagnosticasses os segredos que as ondas do meu cabelo contam quando se enrolam no vento...

segunda-feira, julho 12, 2004

Escrever

Estou desapacientada! Sim, desapacientada e sem nenhuma preocupação com a escolha da palavra que fica melhor na frase. Escrever. Freneticamente. Mecanicamente. Relógios moles!... Surreal é a minha impaciência! Estou farta deste cheiro a tempo passado que inunda o quarto! A janela empenou. Até o papel onde escrevo asfixia. Só me apetece escrever, não escrever nada, escrever tudo, escrever qualquer coisa com ou sem nexo. Sinto um desejo animal de escrever pelo simples prazer de escrever. Escrever, assim, sem preocupações parnasianas, com o pensamento desligado, sem qualquer tipo de correcção formal, lógica. Escrever sem querer saber se sou eu a criadora e o escrito a obra, se sou eu que escrevo ou se é o meu outro Eu a escrever, sem sequer me interessar pela qualidade da escrita. Unicamente o acto. Olho pela janela. A noite reclama originalidade. O relógio marca a hora da Quase-Mudança. Eu, só quero paciência!

sexta-feira, julho 09, 2004

E a morte perderá o seu domínio

E a morte perderá o seu domínio.
Nus, os homens mortos irão confundir-se
com o homem no vento e na lua do poente;
quando, descarnados e limpos, desaparecerem os ossos
hão-de nos seus braços e pés brilhar as estrelas.
Mesmo que se tornem loucos permanecerá o espírito lúcido;
mesmo que sejam submersos pelo mar, eles hão-de ressurgir;
mesmo que os amantes se percam, continuará o amor;
e a morte perderá o seu domínio.

E a morte perderá o seu domínio.
Aqueles que há muito repousam sobre as ondas do mar
não morrerão com a chegada do vento;
ainda que, na roda da tortura, comecem
os tendões a ceder, jamais se partirão;
entre as suas mãos será destruída a fé
e, como unicórnios, virá atravessá-los o sofrimento;
embora sejam divididos eles manterão a sua unidade;
e a morte perderá o seu domínio.

E a morte perderá o seu domínio.
Não hão-de gritar mais as gaivotas aos seus ouvidos
nem as vagas romper tumultuosamente nas praias;
onde se abriu uma flor não poderá nenhuma flor
erguer a sua corola em direcção à força das chuvas;
ainda que estejam mortas e loucas, hão-de descer
como pregos as suas cabeças pelas margaridas;
é no sol que irrompem até que o sol se extinga,
e a morte perderá o seu domínio.


Dylan Thomas


Considera-o uma espécie de tributo ao teu avô, H.. E lembra-te também da dedicatória que te fiz no "Platero y Yo"...

quinta-feira, julho 08, 2004

Afinal...

a promessa não se cumpriu (será que tinha sido feita por algum político?!). Felizmente, no entanto! A vida bem que nos troca as voltas... Mas sabe bem, chegar ao fim de um dia que tinha bastante para correr mal e constatar que os prognósticos estavam errados. É a prova de que também se pode apreciar um dia perfeitamente banal.
E viva a fruição da banalidade!!

Claro que o dia ainda não terminou e pode sofrer uma inesperada reviravolta!...

O dia promete...

não ser nada, mas nada-nada cor-de-rosa!

quarta-feira, julho 07, 2004

Sort of pink

Hoje consegui escapar à injecção sub-tóxica diária daquilo que não ouso sequer nomear, graças ao Milan Kundera (quer isto dizer, por outras palavras, que o dia não começou nada mal!).
Decidi contrariar aquilo a que ontem apelidei de "a negação da minha pessoa". Pode ser que ter a decisão, assim, escarrapachada no blog, tenha mais força que mantê-la somente em pensamento.
E agora, depois de uma viagem anestésica pela blogosfera (há blogs que vou descobrindo e dos quais me vou tornando fã e que brevemente adicionarei à minha lista de links) - pelo menos aqui a incursão é garantidamente cor-de-rosa - volto ao trabalho...

P.S.: F., seu desgraçado, ainda não me adicionaste aos teus links!! Boa viagem para Lx e depois falamos.

sábado, julho 03, 2004

Insolucionável

Tenho um problema de Arquitectura para solucionar.
O que é deveras preocupante porque essa não é a minha área e não entendo de desenho geométrico. Descobri um erro de projecto num edifício de longa data e cuja solidez nunca pus em causa. A questão talvez seja estupidamente fácil para ti, mas enferma do facto de seres parte do problema, o que te exclui da solução. Passo a explicar melhor: hoje apercebi-me do mal que é construirmos os nossos pilares num terreno fora de nós mesmos, mais especificamente, no terreno que constituem os que nos são próximos... Creio que também nasce aqui uma contenda legal, isto de construir em terreno alheio e sem autorização prévia (mas, de momento, preocupa-me a questão "arquitectónica")...
Apercebo-me da inconsciência na realização do projecto, mas pergunto-me por que é que isto tinha que acontecer logo agora que o meu edifício tem sofrido abalos sucessivos, como é possível?, sempre pensei que se o topo ruísse ficaria, pelo menos, a fundação. Hoje sei que essa crença não passou de um equívoco. E sinceramente não sei como solucionar a questão. Estou com um nó algures entre a cabeça e o coração e não consigo sequer oxigenar suficientemente as palavras. Não percebo de Arquitectura, mas qualquer um sabe que uma construção não pode manter-se erguida sem alicerces.
Resta-me re-equacionar tudo. Parece que vou ter que voltar à estaca zero. Tenho que tornar-me pilar e edifício. Suspeito é que já não vou a tempo de entregar o projecto dentro do prazo para executar a obra.