sábado, janeiro 27, 2007

O A. matou-se

O anúncio, na porta da cozinha. Fez-se um silêncio na conversa das duas mulheres. Os olhos da minha mãe ficaram brilhantes de água. Eu engoli em seco. É sempre dramático alguém tirar a própria vida.
Não o conhecia bem. Aliás, só o tinha visto uma vez. O conhecimento que sempre tive dele foi tão-só o que ouvi da boca dos outros. Não tinha mau coração. Mas era maluco. Vi-o pela primeira vez (última, agora) no funeral do meu avô. Estava curiosa, era consensual que ele era igualzinho ao meu bisavô paterno, que eu já não conhecera. O meu bisavô era um homem de um enorme coração e uma figura importante e respeitada lá na aldeia. Encorpado, tez clara, olho azul, lábios carnudos. Bonito. Mas as semelhanças acabavam aí, todos diziam. O meu tio era alheado. Metido consigo. E um homem desregrado.
O frasco vazio na mesa-de-cabeceira, a cadela a soltar gemidos do lado de fora da porta trancada por dentro. Ainda vomitou a caminho do hospital, mas já não se safou.
Nas palavras da minha mãe, teve uma morte igual à sua vida - triste.

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