Escudei-me nas lentes. E na injecção conjuntival. Há alergias oportunas.
A água insistentemente a ressurgir-me nos olhos, enquanto fixava os dele. A busca das palavras que, não fugindo à verdade, lhe expliquem o desenrolar das coisas e não lhe roubem as noites de sono. Preciosas. Nem a tranquilidade. Difícil. Dias passados numa cama contados à cadência de horas passadas numa cama, em boa verdade, minutos que não passam, que escorrem mais lentos que as gotas de soro que lhe entram nas veias ao ritmo de uma por segundo. Os olhos da família fincados em mim. O meu sorriso, aberto, a mão sobre a dele, o ter que dar a explicação deixada em branco pelo cirurgião. Não me apoquentou, apesar de tudo. Ele entende-me bem - aliás, ele entende tudo muito bem, é novo, tem a nossa lucidez e outra ainda, a de quem carrega a doença no corpo - a ele é que os outros não entendem, a maldita da doença até a fala lhe levou. É preciso resignação e o estabelecimento de um código. Isso já temos. E temos o tempo. Esse malfadado tempo que surge a cada passo nas perguntas. Giram todas à volta dele. Do tempo, claro. E vou respondendo às várias perguntas, mas a derradeira questão, essa, fica por responder. Vai-se respondendo à pergunta do tempo com mais tempo - Vamos aguardar um pouco, Um dia de cada vez -. E assim vamos passando o tempo. Que ambos sabemos que se lhe esgota, sobretudo quando lhe peço paciência. Essa também se lhe começa a esgotar. A qualquer um de nós no lugar dele. E à família, que atravessa agora a fase de negação. É muito duro dizer a uma família que o desfecho vai ser o pior possível, mesmo quando isso significa o fim do sofrimento. E eu vou aprendendo, com o tempo, a lidar com isso. Hoje, parece-me que nunca serei capaz de o dizer sem lágrimas a nascerem-me nos olhos. Mas vamos dar tempo ao tempo. Até nisso o malfadado nos rouba.
5 comentários:
Humaníssima reflexão.
Demais , Pinky, demais.
Beijos
Nem sei bem o que dizer... obrigada Francisco.
Ontem voltei para casa pensativa... Não consigo é escrever sobre a coragem dele. Não sei se é inépcia minha, se não há palavras.
O texto está muito bom, e é sentido! Os meus parabéns!
O bom da vida é que nos intervalos da Anatomia de Grey tenhos os teus posts para ler. Há leitores com muita sorte. bjos
Cadeira do poder: obrigada e volta sempre!
Francis: (gargalhada enternecida). Muitos beijos!
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