sexta-feira, junho 20, 2008

A morte de um herói

Partiu esta noite.

O Euro de uma penada

Correu-lhes mal, aos governantes.
Agora, o povo vai ter que voltar a lembrar-se do preço dos combustíveis, da subida do preço dos bens de primeira necessidade, das taxas de juros dos empréstimos, dos exames nacionais e notas dos filhos (embora aí o plano B já esteja em acção, com uma caterva de notas votadas em concelhos de turma e provas nacionais fáceis).
Para o povo, é uma dupla derrota.

quinta-feira, junho 19, 2008

Voltar à Vila Velha de Vila Real

Não voltei lá desde aquele dia. Desde logo, gostei de saber que no IP4 somos avisados da entrada no Reino Maravilhoso. O barro de Bisalhães permanece no mesmo sítio. As ruas estão enfeitadas, afinal é Santo António. A Vila Velha tem cara nova, com direito a museu moderno e horário alargado. Tudo diferente do que me lembro. Mais diferente ainda para a minha mãe, que não conteve as lágrimas. Tirando o tasco da D. Perpétua (que faz jus ao nome da proprietária), a casa das Marianas, a casa escura onde a Menina Inocência se sentava todos os dias à janela, a ver quem passa, as traseiras da casa da minha avó onde brincava eu, o Toy, e as pretinhas, a rede que cercava o Liceu e as traseiras do cemitério com lixo e preservativos abandonados no solo de terra batida, e tantas outras coisas que eu já não cheguei a conhecer, tudo o resto deixou de existir. Excepto as papoilas. Essas mantêm-se a polvilhar as encostas que descem até ao Corgo.
Depois, houve ainda covilhetes da Gomes e pitos da Lapão, a voltinha clássica pelas ruas onde, infelizmente, agora florescem lojas de chineses - até no antigo Excelsior! O café vagaroso no Clássico, os grupos de música tradicional na Praça e ainda Martinho da Vila no Teatro.
Gostei mesmo muito desse dia.
Volto no São Pedro.

sexta-feira, junho 13, 2008

As ditas férias

Questionam-me acerca das "férias grandes". Estão a ser agora, digo eu. Mas e isso são férias, enfiada no hospital? E a trabalhar em contra-relógio, a implorar aos administrativos do Arquivo para me fornecerem os processos em tempo record. A alombar pilhas de processos e a regressar a casa todos os dias cerca da meia-noite, desabafo. Eu se fosse a si, dizia ao chefe que me recusava.
Neste ponto da conversa eu encolho os ombros, reviro os olhos e suspiro.

Very short hair

Está tão curto que é impossível fazer um rabo-de-cavalo ou mesmo juntá-lo num puxo, com as mãos, no banho. Dizem-me que pareço mais nova e fresca. Como se eu fosse velha!

Very hot weather

Começou o inferno de Coimbra.

sexta-feira, junho 06, 2008

Bits of happiness

Figueira da Foz. 24ºC. A14. 140 km/h. Ain't Got No... I Got Life na voz de Nina Simone.

terça-feira, junho 03, 2008

Adiar

Não devemos adiar. Sobretudo as coisas importantes. As inadiáveis.
Mas até essas adiamos, porque agora estamos com pressa, pressa de chegar, de fazer, de sair, sempre os prazos, os compromissos, as deadlines (ah, essa expressão tão cheia de significado)! Mas a verdade é que não morremos se não cumprirmos um prazo. Podemos, sim, complicar a nossa vida, perder uma oportunidade no trabalho, um evento importante.
Mas não, não morremos.
Não devemos adiar. As coisas inadiáveis. As despedidas. Sem o sabermos, até. Esses instantes de conversa que podem ser uma despedida.
Sempre tive tempo para ele. Toda a gente o conhece no Serviço. Um herói. Conheci-o pouco depois de ter começado a trabalhar ali. Nunca foi meu doente. Mas toda a gente o conhece dos corredores, da salinha de televisão, dos lugares por onde passeia o saco negro da quimioterapia que o ajuda no combate do cancro metastizado. Um herói. Eu acredito que o que o mantém há mais de um ano nisto é o optimismo. Férreo. A quimioterapia só dá uma ajuda. Nunca foi meu doente, dizia eu, mas, claro, todos o conhecemos, um dos quartos foi durante semanas a sua casa, e a cada ciclo passa lá um dia ou dois, todos o conhecem pelo nome. Eu, tagarela como sempre, e desde que ajudei o colega que era o assistente dele quando ele teve um enfarte agudo do miocárdio, tornei-me amiga dele. Amiga de conversas de corredor, de visitas ao seu quarto, de pedaços da história da vida dele, contou-me muita coisa, como conheceu a esposa, os tempos em Vila Real, os tempos em Angola. Tornámo-nos amigos, vá. O tempo passa melhor quando se tem alguém para conversar. Ultimamente andava mais magro, o apetite a escassear, a anemia teimosa. Desta vez, regressei de férias e andava assoberbada, não soube imediatamente que ele estava internado, estou noutra ala. Cruzei-me com ele nos elevadores, sorridos rasgados, Como tem passado?, Tenho de arranjar um bocadinho para darmos duas de conversa!, Oh, Dra., eu não vou a lado nenhum, vá lá tratar das suas coisas e depois falamos.
Ele nunca foi meu doente. E por isso, pensei que não havia mal em ofertar-lhe uma coisa. De que tínhamos falado uma vez e eu sabia que ele gostava. Um mimo para o estômago. Pensei, é amanhã, no dia em que vi o meu colega a falar longamente com a esposa dele no corredor.
No dia seguinte fui à procura dele. Tinha tido alta. Quando voltava? Oh, Dra., acho que não volta. Já não tem condições para fazer mais ciclos, o seu colega ontem esteve a falar com a esposa, a explicar-lhe que já não há mais tratamentos para fazer, que ela agora lhe deixe fazer tudo o que ele quiser.
Ia conversar com ele, como de costume. Sim, estava à vista de qualquer um o abatimento físico, o cansaço a articular as palavras, a palidez cutânea. Mas a chama ainda se mantinha nos olhos e o aperto de mão (embora os dedos estivessem mais emagrecidos) tinha a mesma energia. Perdi essa oportunidade de me despedir. No dia em que levei a caixa para o hospital, ele tinha tido alta e não voltaria. Ainda pensei em mandar-lhe as coisas pelo correio, mas não seria o mesmo. Fiquei mesmo incomodada. Da única vez que não conversámos, ele foi-se embora para morrer. Sem levar a caixa. Coincidência infeliz, decerto. Mas dá que pensar.
Bem sei que não nos é possível adivinhar todas as partidas, todas as últimas conversas, todos os momentos irrepetíveis, todas as despedidas.
Mas era bom que assim fosse. Porque há coisas que não devemos mesmo adiar, sob pena de a morte as adiar eternamente por nós.