Viver entre duas cidades.
quarta-feira, fevereiro 21, 2007
segunda-feira, fevereiro 19, 2007
Some things [gladly] never change...
Estacionei o carro nas Virtudes. O arrumador de boné vermelho, que por lá pára diariamente, desenrasca-me sempre um lugar jeitoso e ajuda-me na manobra. Ou eu faço-o acreditar que sim. Ele conhece-me o carro e o sorriso, eu conheço-lhe a embriaguez e a boa-vontade. Tenho sempre tempo para uma palavrita com ele, mesmo num dia de chuva insistente. Caminho pela minha cidade. Toda a gente à minha volta se movimenta em passo apressado e de cara fechada. É dia de trabalho, de preocupações. Não para mim. Calmamente, de guarda-chuva em riste, olho à volta, satisfeita. Os Clérigos ainda estão cobertos com o taipal do Pierce patrocinado pela cerveja. Percorro o Carmo, Carlos Alberto, toda a Cedofeita.
Afazeres cumpridos, a volta. As botas húmidas, as calças alagadas até meio da perna. Desisto de ir à Fnac de Santa Catarina, mas não hesito, quando o eléctrico passa por mim, em entrar no Piolho. O Sr. Afonso serve-me o lanche, Então Dra., como tem passado?, espero que acordes para marcarmos encontro (invariavelmente ainda dormes às 16h e tal...). Encontro adiado, regresso pela marginal.
Às vezes tenho a sensação de que nunca parti.
sábado, fevereiro 17, 2007
sexta-feira, fevereiro 16, 2007
quarta-feira, fevereiro 14, 2007
segunda-feira, fevereiro 12, 2007
domingo, fevereiro 11, 2007
sábado, fevereiro 10, 2007
Gostos
Gostava deles cavalheiros, com sentido de humor apurado, pêlos no peito e maçã-de-adão saliente. De preferência, morenos.
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sexta-feira, fevereiro 09, 2007
terça-feira, fevereiro 06, 2007
Dia não
A impotência a encabeçar o dia. O desânimo que se lhe seguiu. A doença a pesar-me no corpo. As sapatilhas favoritas sujas de sangue. Os olhos pregados na calçada, a caminho de casa. Apesar de tudo, à cabeceira do doente, um sorriso aberto, um afago na cabeça durante o exame físico, a voz a destilar doçura. No pensamento, a frase mais bonita que me ensinaram até hoje: Os doentes têm o melhor de mim.
segunda-feira, fevereiro 05, 2007
domingo, fevereiro 04, 2007
Bandit, red, 16 valve
Os braços a enlaçá-lo; dois corpos movendo-se em uníssono. Houve alturas em que fechei os olhos e simplesmente me deixei levar... Ele a conduzir e a escolher a cadência.
Quem sabe, um dia ainda dançaríamos o tango.
sábado, fevereiro 03, 2007
2 exemplos da Síndrome dos Meios Pequenos
Ela: És mesmo do Porto?
Eu: Sou.
Ela: Eu também... Quer dizer, sou de lá perto.
Eu: Ai sim?...
Ela: Sim, de Oliveira de Azeméis.
Eu: Pois, é perto...
Eu: Sou.
Ela: Eu também... Quer dizer, sou de lá perto.
Eu: Ai sim?...
Ela: Sim, de Oliveira de Azeméis.
Eu: Pois, é perto...
Ele: Mas estás a gostar de Coimbra? Eu não... Acabando o curso quero sair daqui. É um meio muito pequeno. O que tem de bom é que a noite é bem mais barata...
Eu: Bem, por causa do trabalho ainda não tive grande tempo para conhecer a cidade. Mas do que tenho visto até agora, estou a gostar. É mais pequeno, mais pacato, mas é assim... uma cidade antiga, com história e recantos giros... Estou ansiosa por conhecer mais.
Ele: Ao fim de pouco tempo vais-te fartar.
Eu: Pois, não sei... Já me têm dito que sim, mas ainda há pouco cheguei, estou naquela fase da euforia e novidade... O resto logo se vê... Mas, ainda não percebi bem... Tu és do Porto?
Ele: Quer dizer, não exactamente... Mas estudei lá, no Alexandre Herculano.
Eu: Humm... Eu andei no Clara de Resende e no Carolina Michaelis... Mas então, de onde és mesmo?
Ele: (quase a medo) De Viana do Castelo.
Eu: Ah...
Ele: Quer dizer, não exactamente... Mas estudei lá, no Alexandre Herculano.
Eu: Humm... Eu andei no Clara de Resende e no Carolina Michaelis... Mas então, de onde és mesmo?
Ele: (quase a medo) De Viana do Castelo.
Eu: Ah...
Lágrimas
Ontem, frente a elas, abriram-se baús de memórias. Amores felizes e infelizes. Pontos de vista. Crenças. Com o Mondego a rumorejar ao pé. E a rota dos pássaros por abóbada.
quinta-feira, fevereiro 01, 2007
quarta-feira, janeiro 31, 2007
domingo, janeiro 28, 2007
Scattered friends
A A., qual D. Sebastião, está imersa na bruma. O H. partirá em breve para uma terra cronometricamente doce. Eu estou na cidade amorosa. Só o F. ficou. Mas até esse, tal é, por vezes, a dificuldade em achar-lhe o rasto, parece ter debandado.
Citando um amigo, o Porto ficando mais deserto.
Breakfast at Tavi's
Uma manhã coruscante de Domingo. A Boavista sem filas nos semáforos. Apanhei-te no sítio do costume. O sol glacial. O fim no início: o pequeno-almoço na Tavi. A deliciosa conversa de horas. A confissão das saudades que sinto [pela primeira vez] do mar. O teu sorriso harmónico. Fotografei-te com o mar ao fundo.
Teria sido perfeito, se não fosse [mais um]a despedida.
sábado, janeiro 27, 2007
O A. matou-se
O anúncio, na porta da cozinha. Fez-se um silêncio na conversa das duas mulheres. Os olhos da minha mãe ficaram brilhantes de água. Eu engoli em seco. É sempre dramático alguém tirar a própria vida.
Não o conhecia bem. Aliás, só o tinha visto uma vez. O conhecimento que sempre tive dele foi tão-só o que ouvi da boca dos outros. Não tinha mau coração. Mas era maluco. Vi-o pela primeira vez (última, agora) no funeral do meu avô. Estava curiosa, era consensual que ele era igualzinho ao meu bisavô paterno, que eu já não conhecera. O meu bisavô era um homem de um enorme coração e uma figura importante e respeitada lá na aldeia. Encorpado, tez clara, olho azul, lábios carnudos. Bonito. Mas as semelhanças acabavam aí, todos diziam. O meu tio era alheado. Metido consigo. E um homem desregrado.
Não o conhecia bem. Aliás, só o tinha visto uma vez. O conhecimento que sempre tive dele foi tão-só o que ouvi da boca dos outros. Não tinha mau coração. Mas era maluco. Vi-o pela primeira vez (última, agora) no funeral do meu avô. Estava curiosa, era consensual que ele era igualzinho ao meu bisavô paterno, que eu já não conhecera. O meu bisavô era um homem de um enorme coração e uma figura importante e respeitada lá na aldeia. Encorpado, tez clara, olho azul, lábios carnudos. Bonito. Mas as semelhanças acabavam aí, todos diziam. O meu tio era alheado. Metido consigo. E um homem desregrado.
O frasco vazio na mesa-de-cabeceira, a cadela a soltar gemidos do lado de fora da porta trancada por dentro. Ainda vomitou a caminho do hospital, mas já não se safou.
Nas palavras da minha mãe, teve uma morte igual à sua vida - triste.
quinta-feira, janeiro 25, 2007
quarta-feira, janeiro 24, 2007
Olho clínico
A aceleração ruidosa, após o aquecimento do motor, ressoou pela avenida. Muitas das cabeças se voltaram para ver o que era. Ela não [precisou]. Já tinha o alvo na mira desde o início.
Principiante
Não sabia ainda se era melhor ou pior, era diferente. Não lhe ofereciam farda, nem as azulinhas, as Cartas eram, para já, escritas à mão. No refeitório, com pratos variados e bem confeccionados, circulava-se à civil. A hierarquia era a de sempre, o tratamento distinto. Susceptibilidades exacerbadas, a escola mais clássica. A responsabilidade era maior. E o desejo de fazer boa figura também. Até porque, presentemente, representava duas casas. Com pronúncia nortenha, diga-se. Indisfarçável, diziam-lhe.
terça-feira, janeiro 23, 2007
Casa nova
Pink, agora a difundir a partir de Coimbra.
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P.S. : Agora só falta mesmo o rooter e depois será wireless.
domingo, janeiro 21, 2007
Mulher para todo o serviço
Por estas semanas, ia percebendo um pouco mais de computadores, ligações à Internet, Bluetooth, aparelhagens, microondas, chaves de parafusos, cilindros, máquinas de lavar roupa, fogões a gás e instalação eléctrica de casas.
E também de vocábulos proparoxítonos. Mas isso era tema para outro post.
quinta-feira, janeiro 18, 2007
Direito
O 13 não foi o meu. Mas bem que podia ter sido. De qualquer modo, a sorte estava do meu lado. Foi uma noite boa.
terça-feira, janeiro 16, 2007
quarta-feira, janeiro 10, 2007
Pinky dixit
Após uma ida ao cinema em Coimbra, concluí: os Conimbricenses são mais sentimentais que os Tripeiros. E não vou explicar porquê.
sábado, janeiro 06, 2007
Foreigner
Foi assim que se sentiu quando, no café, pediu um pingo e o empregado a olhou com estranheza. Ela não percebeu. Segundos depois, o dissipar da dúvida:
- Ah, quer um garoto?
Ela anuiu, sorrindo. Mas, por uma questão de princípio, ia continuar a chamar-lhe pingo.
So far, so good
Estava a correr tudo muito bem. E entusiasmava-a a novidade. Das ruas, da meteorologia, das caras, da pronúncia, dos modos, da geografia, dos hábitos (seus e dos outros).
domingo, dezembro 31, 2006
Até breve
Sujeita a restrições de serviços cibernáuticos, voltarei em momento incerto. E a postar a uns cento e poucos quilómetros mais abaixo.
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P.S.: Desejo a todos um 2007 à medida dos vossos sonhos!
Despedidas

Mas sem dizer adeus. Como dizia um professor que tive há muitos anos, Adeus é para quem morre!
Retirada daqui.
sexta-feira, dezembro 29, 2006
quarta-feira, dezembro 27, 2006
terça-feira, dezembro 26, 2006
N.B.
You must accept the things you cannot change. You have no ghosts and are not planning to adopt somebody else's. And above all, water and air were not the greatest of combinations, anyway.
domingo, dezembro 24, 2006
Boas festas...
ou não. Conforme aprouver a credos, religiões e outras disposições.
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[A bem da tolerância e pluralidade.]
sábado, dezembro 23, 2006
quinta-feira, dezembro 21, 2006
Crónicas de uma partida an[un]siada #11
Foram as duas fazer compras de Natal para a Baixa. Mãe e filha. Como não acontecia há uns anos (das últimas vezes faziam-nas, apressadamente, nas grandes superfícies). O desejo de enlear o passado na vigência da partida. Ambas concordaram que a decoração da Avenida estava um tanto ou quanto pindérica, com aquelas luzinhas a pender das árvores. Pararam por breves instantes para ver e ouvir os cânticos, frente a um palco montado no empedrado. Poucos mesmo, o frio glacial não oferecia tréguas. Cúmplices e alegres, riam, abraçavam-se, seguravam nos sacos. Horas prazenteiras. E, no regresso [como acontecia sempre], pararam na Ribeiro onde compraram um quarto de quilo de cacos e outro de pirilampos, que degustaram pela rua.
A prudência, a aprendizagem ou a mudança de estratégia
Queria falar. Queria deixar verter os pensamentos, mas a prudência deteve-a. Isso e o bom conselho de um amigo. Desses que sabemos bons mas nunca seguimos. Mas estava decidida a quebrar o malfadado costume. Até porque a vida era curta e, perante a inevitabilidade de cometer erros, preferia cometer erros novos.
quarta-feira, dezembro 20, 2006
Engate [gorado] de noite, na Via Latina
- O Todo-Poderoso não vai ficar contente por me teres desprezado.
Reencontro na Feito Conceito
A expressão hiperbolizada, mas dita com surpresa e gosto autênticos:
- Pensei que nunca mais te ia ver na vida!
Alguém perguntou como se tinham conhecido. Ela respondeu:
- Hummm... Na máquina das gasimetrias.
- Pensei que nunca mais te ia ver na vida!
Alguém perguntou como se tinham conhecido. Ela respondeu:
- Hummm... Na máquina das gasimetrias.
segunda-feira, dezembro 18, 2006
Faltava dizer-te...
...thank you for having smoked my anxiety over that couple of cigarettes, that day.
Relativizar (aparvalhando)...
Porque há males que vêm por bem.
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Porque sinto que a minha vida está prestes a começar e é a melhor sensação do mundo!!
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Porque os cacos da Oncologia são melhores que os cacos da Medicina Interna.
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Porque não ter algumas das coisas que queremos faz parte integrante da nossa felicidade [esta acho que é do Dalai Lama, mas não tenho a certeza, nem vou verificar].
Come again?!
Ao telefone com o homem que melhor conhecia, durante um relato mais ou menos banal, teve a súbita impressão, após uma tirada dele, que não percebia nada dos homens. Ou das mulheres. Quem sabe, das pessoas.
domingo, dezembro 17, 2006
Crónicas de uma partida an[un]siada #10
Depois de terem trazido o André ao mundo, enquanto barravam requeijão no pão-de-ló e por cima deixavam pingar o mel caseiro com fartura, disseram-lhe que só tinham pena que ela fosse lá para baixo e as fosse deixar. Ela sorriu, agradecida.
quinta-feira, dezembro 14, 2006
Crónicas de uma partida an[un]siada #9
Ele: Se bem que Coimbra é uma cidade pequena... Mas pronto, vais conhecer gente nova, sítios diferentes...
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Ela: Eh pá, tás parvo?! Vê lá se fosse Guarda, Bragança ou Elvas... Além disso Coimbra tem FNAC!!
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Ele: [gargalhando] Ya... FNAC. Então sobrevive-se!
Neoplasia
do Gr. neós, novo + plásis, formação
espaço
espaço
espaço
espaço
Alguém dizia há tempos que o início era a morte. Desenganem-se. O início é o cancro.
Crónicas de uma partida an[un]siada #7
Perante os dados que foram lançados, a melhor jogada [creio].
À medida que a adrenalina desce no sangue, o sorriso aumenta na face.
quarta-feira, dezembro 13, 2006
Crónicas de uma partida an[un]siada #6
Alguém com certos poderes de adivinhação, vaticinou esta manhã. E eu acredito. Saio de casa com um sorriso nos lábios e um nervoso miudinho no corpo.
segunda-feira, dezembro 11, 2006
Crónicas de uma partida an[un]siada #5
Começou a semana infernal. Cada minuto que (não) passa é um prego que se enterra mais fundo.
sábado, dezembro 09, 2006
Crónica de uma morte ansiada
Li: Ca da vulva em fase terminal. Não imaginei um cenário bonito. Estava a consultar o processo, não conhecia ainda a doente. Quando entrei na enfermaria, acompanhada de uma colega mais velha, deparei-me com uma sorridente senhora de 80 anos, a quem a filha fazia companhia. Afável, super-lúcida, apenas ligeiramente queixosa. Estava ansiosa por ter alta e regressar a casa. Como já vinha sendo habitual, sobretudo ao longo do último ano. Internamentos de repetição para gerir intercorrências agudas. A doente não foi diagnosticada a tempo por vergonha de ir ao médico. Andou 30 anos com o tumor a crescer. Trinta anos. Agora, o basocelular tinha-se estendido a toda a bacia. Eu nunca tinha visto nada assim. Afiançaram-me que provavelmente nunca iria ver nada igual. O tumor invadia a vagina, o útero, a bexiga, a coxo-femural esquerda, o intestino. Na verdade, toda a bacia daquela mulher era o tumor. Confinada a uma cadeira de rodas, estava colostomizada, algaliada e tinha uma ferida colossal. Nem me atrevo a descrever. Valia-lhe o acompanhamento do anestesiologista da consulta da Dor Crónica. E a filha, zelosa. E o seu estoicismo. Houve um momento em que não aguentei. Nasceu-me um nó na garganta, e, aproveitando a colega estar a falar com a senhora e a familiar, discretamente, olhei pela janela: um entardecer lindo. Não sei se foi por olhar o Douro, mas os meus olhos encheram-se de lágrimas e apeteceu-me mergulhar na profundeza do rio. Respirei fundo, segurei as lágrimas como pude. Não cairam. Ainda bem. Mas o meu coração minguou. Já voltei para casa e ele ainda não recuperou o tamanho original. Talvez amanhã.
sexta-feira, dezembro 08, 2006
Crónicas de uma partida an[un]siada #4
Chovia torrencialmente e o vento dificultava ainda mais o controlo do veículo. Anoitecera já há um bom pedaço. No entanto, na auto-estrada Guimarães-Porto, ao volante do seu carro, nada lhe parecera tão claro: tinha que dar o grito do Ipiranga.
quarta-feira, dezembro 06, 2006
Crónicas de uma partida an[un]siada #3
Viviam-se dias difíceis. De angústia delongada, com exacerbação recente indisfarçável nos rostos dos semelhantes. Noites mal dormidas que espontavam em humores precários. Tudo em jogo. O real e o hipotético. O presente e o futuro. As prioridades mais retalhadas que no matadouro. E ainda antes dos golpes, rotulá-las: geografia, vida familiar, riqueza, qualidade de vida, estado, privada, especialidade, renome, instituição... A lista era extensa. Carente de ordenação. E exigiam-se poderes divinatórios. No limite, do resto das suas vidas. No outro extremo, talvez de uma dúzia de revoluções lunares. E a imprevisibilidade desse mesmo limite. A contingência de tudo.
segunda-feira, dezembro 04, 2006
Black magic
Há coisa de umas semanas, caí sob o feitiço de uma voz... Na verdade, de duas. Mas só esta canta.
E como canta!...
Shara Worden - Golden Star
terça-feira, novembro 28, 2006
Crónicas de uma partida an[un]siada #2
Todos os dias planeava levar a máquina fotográfica, no dia seguinte, na mochila. E todos os dias saía sem ela. Mas as suas duas objectivas castanho-esverdeadas sobejavam em lentes, eram rápidas no disparo e tinham memória de vários gigas.
Crónicas de uma partida an[un]siada #1
Ultimamente, vagava a cidade na ambivalência: nunca ter amado tanto essas ruas que lhe pertenciam por direito de nascença, e estar já apartada delas como por uma cortina de vidro que permitisse ver, mas não tocar.
Oscilações
O medo. O desejo de precipício. E o medo. E o desejo de precipício. De novo, o medo. Na volta, o desejo de precipício. Insistentemente, o medo. Persistentemente, o desejo de precipício.
domingo, novembro 26, 2006
Pastelaria
Afinal o que importa não é a literatura
nem a crítica de arte nem a câmara escura
Afinal o que importa não é bem o negócio
nem ter o dinheiro ao lado de ter horas de ócio
Afinal o que importa não é ser novo e galante
- ele há tanta maneira de compor uma estante!
Afinal o que importa é não ter medo: fechar os olhos frente ao precipício
e cair verticalmente no vício
Não é verdade, rapaz? E amanhã há bola
antes de haver cinema madame blanche e parola
Que afinal o que importa não é haver gente com fome
porque assim como assim ainda há muita gente que come
Que afinal o que importa é não ter medo
de chamar o gerente e dizer muito alto ao pé de muita gente:
Gerente! Este leite está azedo!
Que afinal o que importa é pôr ao alto a gola do peludo
à saída da pastelaria, e lá fora - ah, lá fora! - rir de tudo
No riso admirável de quem sabe e gosta
ter lavados e muitos dentes brancos à mostra
nem a crítica de arte nem a câmara escura
Afinal o que importa não é bem o negócio
nem ter o dinheiro ao lado de ter horas de ócio
Afinal o que importa não é ser novo e galante
- ele há tanta maneira de compor uma estante!
Afinal o que importa é não ter medo: fechar os olhos frente ao precipício
e cair verticalmente no vício
Não é verdade, rapaz? E amanhã há bola
antes de haver cinema madame blanche e parola
Que afinal o que importa não é haver gente com fome
porque assim como assim ainda há muita gente que come
Que afinal o que importa é não ter medo
de chamar o gerente e dizer muito alto ao pé de muita gente:
Gerente! Este leite está azedo!
Que afinal o que importa é pôr ao alto a gola do peludo
à saída da pastelaria, e lá fora - ah, lá fora! - rir de tudo
No riso admirável de quem sabe e gosta
ter lavados e muitos dentes brancos à mostra
Nobilíssima Visão, Mário Cesariny
Mário Cesariny [1923-2006]
O Riso Útil
o riso útil da amorosa
retine de tal maneira
no pobre quarto cor-de-rosa
que as tuas mãos de senhor
já não sabem por que milagre
ainda é puro o amor
o riso útil da amorosa
retine de tal maneira
no pobre quarto cor-de-rosa
que as tuas mãos de senhor
já não sabem por que milagre
ainda é puro o amor
Manual de Prestidigitação, Mário Cesariny
quarta-feira, novembro 22, 2006
Frase do dia
- Sabe, Dra., eu ando à procura do homem dos 3 oitos: 80 anos, 800 mil contos e 8 dias de vida!
Ela, viúva, de 67 primaveras e sorriso ladino.
sábado, novembro 18, 2006
Quando o céu e a terra se tocam
Hoje percebi que se tocam. O céu e a terra. Ligam-se por pontes aquosas. Para interromper a distância estival. Mais agora, no tempo frio. As nuvens iniciam o pranto, cadenciado o primogénito, taquicardíaco o que lhe segue. Quantas vezes, torrencial. De ritmo e magnitude ditadas pela urgência da saudade. Com o solo a acolchoar a queda, amante silente e atento, em jeito de afago redentor.
Tocam-se, dizia. A terra e o céu. Quando chove.
sexta-feira, novembro 17, 2006
domingo, novembro 12, 2006
Metaphorically speaking
Disse-me que, para ele, o Porto era uma puta. Mas no sentido literário do termo.
sábado, novembro 11, 2006
MostrEM - parte 2
Estuda o Harrison de fio a pavio
autopsia-me com minúcia
passa-me na gama-câmara
exclui-me a glomerulonefrite
extirpa-me o glioma
atende-me na via verde do AVC
faz-me o TC cerebral
vê-me o fundo de olho.
Se preciso, dois ou três ciclos de quimioterapia
a reparação da ruptura do LCA do joelho direito
ou mesmo o exame do cavum.
Pede-me é toda a bateria de análises
não vá eu ter um parainfluenza mal estudado
e depois precisar de consultas de acompanhamento de adolescentes.
O Rx tórax (como deixar de fazê-lo?)
o antidepressivo (como deixar de o prescrever?)
a ecografia abdominal (mas só até às 10h30 da noite)
a radioterapia (esta, só para alguns).
Se ainda assim estiveres às escuras, mais vale pedir uns ANA.
O importante é a saúde da comunidade
e as consultas de infertilidade.
terça-feira, novembro 07, 2006
Alexander Bell e tubos de ensaio
As palavras - acompanhadas, escritas, lidas, trocadas - tinham agora uma voz. As palavras e algumas escassas imagens (tinham agora uma voz). Adquiriram compasso, timbre, entoação, pronúncia. Todos de características diferentes do imaginado.
Era quase como uma reacção química - em que a mistura dos reagentes dá origem a algo previamente inexistente - cor, cheiro, nova substância... Aqui era a voz.
Agora só faltava a voz ganhar corpo.
domingo, novembro 05, 2006
sexta-feira, novembro 03, 2006
MostrEM - parte 1
Estende-me numa lâmina
injecta-me o propofol
toma-me o pulso
corrige-me a transposição dos grandes vasos
transplanta-me um pulmão
ou até mesmo um fígado.
Faz-me depois uma mamoplastia
corrige-me o pé boto
põe-me um stent endovascular
trata-me a couperose a laser
prescreve-me 12 U de insulina
faz-me a hemostase da epistáxis
submete-me a uma EDA
testa-me o DNA
assiste-me no parto e faz-me a episiotomia
pede-me o hemograma
e também as IgEs
transfunde-me 2 UGR.
Dá-me é o antibiótico.
Põe-me a fazer cinesioterapia.
Mas passa-me o P1.
injecta-me o propofol
toma-me o pulso
corrige-me a transposição dos grandes vasos
transplanta-me um pulmão
ou até mesmo um fígado.
Faz-me depois uma mamoplastia
corrige-me o pé boto
põe-me um stent endovascular
trata-me a couperose a laser
prescreve-me 12 U de insulina
faz-me a hemostase da epistáxis
submete-me a uma EDA
testa-me o DNA
assiste-me no parto e faz-me a episiotomia
pede-me o hemograma
e também as IgEs
transfunde-me 2 UGR.
Dá-me é o antibiótico.
Põe-me a fazer cinesioterapia.
Mas passa-me o P1.
quarta-feira, novembro 01, 2006
segunda-feira, outubro 30, 2006
Manic Monday
Na rádio passava a música das Bangles. Mas era mentira. Não havia sequer o tráfego costumeiro que justificasse qualquer atraso na entrada ao serviço. Às 14:13h a cidade mantinha-se silenciosa. Adivinhavam-se artigos e baixas a rondar o feriado. Até o vento estava de folga. O ar pesava nos brônquios. As gaivotas delineavam os telhados. A tempestade impregnava os corações.
sábado, outubro 28, 2006
Last Nomads of Rajasthan
Mal se entrava na sala, o cheiro a incenso. Um painel no palco. A atmosfera estava pronta. Gostei muito. Vibrei mesmo! Do início ao fim, não parei na cadeira. Houve quem saísse a meio. Mas ficou quem gostava. Os trajes multicolores. Os cantares do deserto de Thar. Os tambores, os guizos, as facas, o gingar dos corpos. A música não era só o som; era também movimentos e vestes. Gostei. Muito.
segunda-feira, outubro 23, 2006
Sol de Outubro
El sol de octubre ciñe
al paisaje maduro.
Otorga a lo que vive
su plenitud de fruto.
El aire se hace de oro,
se enjoya de susurros,
panal de los dulzores,
reino del ritmo puro,
melodía de flauta
que derrumba lo oscuro,
entra por la ventana,
dibuja desde el júbilo
seres con sosegada
vocación de desnudo,
criaturas del gozo
que llegan de otro mundo.
al paisaje maduro.
Otorga a lo que vive
su plenitud de fruto.
El aire se hace de oro,
se enjoya de susurros,
panal de los dulzores,
reino del ritmo puro,
melodía de flauta
que derrumba lo oscuro,
entra por la ventana,
dibuja desde el júbilo
seres con sosegada
vocación de desnudo,
criaturas del gozo
que llegan de otro mundo.
Cuaderno de Nueva York, José Hierro
domingo, outubro 22, 2006
quinta-feira, outubro 19, 2006
Things are lookin' up...
O mapinha saiu melhor que as previsões. Há mesmo quem diga que é bom. Resta saber quando se traçam as rotas. Nestas estradas, embora as SCUTs com portagem ou sem ela também possam importar, jogam-se valores mais altos.
terça-feira, outubro 17, 2006
segunda-feira, outubro 16, 2006
Rasganço
Visitar a cidade durante a sua ausência era como folhear as páginas de um diário de memórias, às escondidas. E essa ideia imprimia-lhe um sorriso nos passos e uma curiosidade no olhar.
sexta-feira, outubro 13, 2006
Pinky clássica
Ele diz 1949. No meu B.I. figuram algarismos diferentes nas dezenas e nas unidades.
O melhor mesmo é fazer a datação com carbono 14, para tirar teimas.
terça-feira, outubro 10, 2006
Imoral(terceira)idade dentro de quatro paredes
Entrou, despachada, no consultório. Setenta e dois anos, boas cores, óptimo estado geral. Queixas? As do costume. Do costume, para quem tem patologia osteodegenerativa da coluna. Não fosse o diagnóstico e os resultados das TCs anteriores estarem escritos no processo da doente, e não se adivinhava só de olhar.
Mediu-se a tensão, auscultou-se, renovaram-se as receitas. E a conversa vai fluindo. Conta a senhora que procura um trabalho. Emprego não, que já não tem idade para isso. Mas um trabalho. Para ter desculpa para não estar todo o dia encafuada em casa, mas sobretudo para ganhar algum dinheiro. Vive com o único filho, nora e neto que já frequenta o secundário. É ela que cozinha, limpa, lava a roupa e engoma para todos. Não escuta sequer uma palavra meiga. Um agradecimento. Fica sempre de fora das férias familiares. E ainda põe dinheiro (uma vintena dos antigos contos) para as despesas da casa. E teve parcos dias estipulados para ir chorar a morte da irmã, aqui há tempos. Que o serviço da casa não podia ficar por fazer. É a nora, diz. Detesta-a. Aguenta-a pelo filho. Pelo neto.
Eu e minha colega entreolhámo-nos. Aconselhámo-la a procurar talvez uma distracção, fazer companhia a pessoas idosas e doentes, grupos de actividades culturais, lembrámos que esforços exagerados poderiam piorar uma situação clínica estável e controlada, indicámos-lhe algumas instituições e grupos... Ela disse que já tinha pensado nisso... Mas não podia estar fora de casa muitas horas. Ai, se eu não faço o serviço!... Prometeu pensar sobre o assunto. No entanto, depois de se despedir, enquanto fechava a porta, ainda nos lançou a pergunta:
- Mas como é que eu, assim, me torno independente?
sexta-feira, outubro 06, 2006
Maleita s.o.e.
Órgãos fortalecidos (músculos, então! os tríceps já aguentam com 40 repetições de 3 Kg cada), visão turva (é das lentes de contacto que já passaram da validade; já encomendei 2 caixas), noites pensativas e despertas (os programas mais interessantes só passam na TV a altas horas). Resistir com um nadinha de esperança. Mas, eu por mim, vou persistindo insistentemente. Nessa coisa de encerrar conscientemente um passado consumado.
segunda-feira, outubro 02, 2006
Esta semana
4 lugares: Batô, Guarany, ginásio, Bonaparte
4 tempos: 25 anos, 12 anos, 1 mês, 5 meses
4 sabores: café, água tónica, bolachas de canela, chocolate preto
4 leituras: Relatório de Actividades 2005 da Unidade de Saúde dos Guindais, O Cego de Sevilha, Os Indiferentes, Revista Xis de 23 Set
sexta-feira, setembro 15, 2006
A vidente
Esta tarde, quando ia de carro na marginal, um pouco antes de passar debaixo da Ponte da Arrábida, na direcção Ribeira-Foz, vi uma mulher sentada no muro a olhar o rio. Pouco passava das seis da tarde e o céu já vestia de pôr-do-sol. Ao longo desse muro vêem-se sempre vários pescadores, uns solitários, outros em grupo; há sempre gente a correr, de bicicleta, casais amorosos a passear, pares de amigas, turistas. Ela era mulher e estava sozinha, sem parecer esperar ninguém; de pernas cruzadas e cabelos levemente ondulados pelo vento. Hoje o tempo esteve bom, eu levava a janela meia aberta e desejei também fazer parte do cenário. Mas, estranhamente, - pensei de início - a rapariga não estava de costas para os carros a olhar a foz do rio e o poente. Estava de cabeça erguida, voltada para nascente. Não para onde o rio vai, mas de onde ele vem. Para o princípio. Depois entendi. Tinha os olhos bem abertos e a face serena. Estava a aprender a lição. A ouvir a verdade contada pelo cristal líquido. Fitando a direcção contrária. Quando todos olham o desaguar das águas. Fui a pensar nisto o resto do caminho. Achei uma atitude sábia. Também a mim me atraem agora os começos. De tudo. Os fins foram lá atrás.
quarta-feira, setembro 06, 2006
sexta-feira, setembro 01, 2006
Cartas
Cartas. De papel. E com cheiro. A rosas ou a outro perfume suave. Sobretudo as de amor. E porque não as de amizade?, havia conjuntos de cartas e envelopes lindos, com desenhos, odores, e relevos e recortes, escrevi muitas a amigas minhas e lembro-me também de as receber. Coleccionavam-se. Mas, sobretudo, as de amor. Devem ter sido descontinuadas. Hoje em dia isso acontece a muitas outras coisas. Outro dia rompi a pulseira de couro do meu relógio e fui à loja comprar outra. Não havia. Tinha sido descontinuada. Tiveram que enviar o mostrador para a marca. Lá me resolveram o problema. Esperei 3 meses. Andei sem relógio. Perdi a noção do tempo. Mas ontem vi um filme onde havia uma casa sobre um lago. Ou lagoa. E cartas. Muitas. E já me decidi. Acho que vou começar a escrever cartas. Em papel. E a deixá-las numa caixa de correio. A ver o que acontece. Perdi a noção do tempo. Pode ser que aconteça algo. Quem sabe o amor. Não tenho é destinatário. Penso. Primeiro tenho que alugar uma casa no lago. Vivo perto do mar. Bolas! Bolas, não. Cartas.
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